Os heróis mortos
Servir e proteger, reza o lema universal de qualquer policial. E foi servindo e protegendo feridos que cinco bombeiros e um policial militar perderam a vida no desastre que comoveu o Brasil, ocorrido terça-feira em Santa Catarina.
Entre os 27 mortos do acidente, estavam os bombeiros Elio Moss, 33 anos, Leonir Francisco Bagatini, 43 anos, Carlos Françozi, 34 anos, Roberto Inácio Borghetti, 41 anos, e Evandro Daltoé, 31 anos, além do PM Ilvânio Marcos Schnem, 29 anos. Eles estavam na pista prestando socorro às vítimas do primeiro acidente quando foram atingidos por um caminhão.
A comoção é maior, em certa medida, por envolver tantos profissionais especializados em defender a vida alheia, como é o caso de bombeiros e policiais.
– São heróis de carne e osso, pessoas movidas a solidariedade, com espírito público. Quando elas se vão, o cidadão comum se vê frente a frente com uma tragédia grega – interpreta o psiquiatra cearense João Dummar Filho, mestre em Medicina e dirigente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Tragédia grega porque elas estão impregnadas do herói, essa figura altruísta, capaz de morrer por uma causa. No que toca a bombeiros e policiais, uma causa alheia, a do cidadão vitimado por acidentes ou acossado pelo crime. São pessoas modelares e antagônicas ao egoísmo que todos estão cansados de ver por aí, acrescenta Dummar Filho.
Quando bombeiros e policiais morrem no cumprimento do dever, todos ficamos órfãos, analisa a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, também dirigente da ABP. Ela lembra de policiais e bombeiros mortos no atentado que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, em Nova York.
– Se a morte atinge até o super-herói, que afasta as ferragens de um caminhão com as próprias mãos para salvar vidas, o que resta a nós, mortais? – questiona Gilda.
Ela própria responde: resta o desamparo. Impotente, a população depara com a finitude e a morte. Mas até mesmo tragédias como essa podem deixar lições. A psicanalista ressalta que atos heróicos como o desses bombeiros e policiais catarinenses mostram que valores, como o humanismo e o desprendimento com o próximo, se perpetuam além da morte.
O desprendimento dos bombeiros pode ser aferido pela atitude de Odair Domingos Andriollo, 20 anos de profissão. Ele estava de folga e foi até o local da tragédia depois do segundo acidente, para ajudar. Outro que foi convocado para auxiliar e escapou por um golpe de sorte foi o bombeiro Rogério Golin, de 31 anos, que atuou no salvamento de pessoas atingidas pelo primeiro acidente. No local, ele e os colegas aguardavam um caminhão puxar um pouco o ônibus para que houvesse certeza de que não havia mais ninguém sob o veículo. Durante a espera, a surpresa. Gritos e um barulho muito alto foram o sinal de que algo estava errada.
– Quando vi, estava com as pernas embaixo de um caminhão – descreveu.
Quando percebeu que seus braços não foram atingidos, Golin puxou a lona e conseguiu tirar o pé ferido de baixo do caminhão. O espírito profissional ainda fez com que ele ajudasse outra pessoa, em situação pior. Ele teve escoriações no corpo, fraturas no pé e na cabeça. Apesar disso, não mediu esforços para ir ao velório dos amigos.
Quem eram |
Carlos Françozi – Bombeiro de São Miguel do Oeste, 34 anos. Atuava na profissão há 11 anos. Era casado e tinha uma filha de três anos. Ajudava no resgate e socorro das vítimas do primeiro acidente. Estava de folga e foi chamado para ajudar. |
Elio Moss – Natural de São Miguel do Oeste, Moss, 33 anos, vendeu sua parte da banda Caravana Band Show, em que tocava bateria e cantava, para seguir uma de suas paixões – ser bombeiro voluntário. Separado, namorava há quase 10 anos e planejava se casar. Não tinha filhos, mas cuidava da filha de sua namorada como se fosse dele. No momento do acidente, dava aulas para futuros bombeiros voluntários. Foi chamado para ajudar no resgate da primeira colisão. |
Leonir Francisco Bagatini – Bombeiro de Palmitos, 43 anos. Depois de trabalhar mais de 20 anos, fez seu último resgate na noite de terça-feira. Deixou três filhos, de 21, 19 e 14 anos. |
Evandro Daltoé – Morador de Maravilha, tinha 31 anos. Bombeiro há mais de uma década, trabalhava no expediente interno da guarnição. Como o primeiro acidente tinha sido de grandes proporções, Daltoé foi convocado para ajudar no socorro das vítimas do ônibus. Nos sete anos de casamento, teve dois filhos – de sete e de um ano. |
Roberto Inácio Borghetti – 41 anos, bombeiro |
Ilvânio Marcos Schnem – Policial militar de 29 anos |
Quem morreu |
NESTOR DALPIAN – Na terça-feira à noite, o caminhoneiro Nestor Dalpian, 51 anos, estava retornando ao município de Encantado (RS), quando ficou preso no engarrafamento causado pelo primeiro acidente ocorrido terça-feira à noite, na BR-282, em Santa Catarina. |
O caminhoneiro desceu do seu veículo para ajudar no resgate dos acidentados. No momento em que entregava o extintor de incêndio de seu caminhão para um bombeiro, ambos foram atropelados por uma carreta desgovernada que provocou o segundo acidente. Morreu no local. |
Natural de Nova Bréscia, também no Vale do Taquari, Dalpian morava em Encantado, no Bairro Jacarezinho, havia pelo menos 25 anos. |
Trabalhava como caminhoneiro nos últimos 30 anos e, apesar de aposentado, seguia na profissão como motorista autônomo. Além da mulher, Dalpian deixa dois filhos: Tatiane, 26 anos, e Giovani, 22 anos. |
Na gestão 2004/2005, Dalpian foi presidente da comunidade católica São Carlos, que é responsável pelo preparo dos alimentos no evento mais importante do município, a Suinofest. |
Nesses dois anos, o caminhoneiro liderou a turma de voluntários que trabalhou na cozinha da festa. |
Há oito anos, ele fazia parte do grupo que em janeiro canta o terno de reis na comunidade. |
– Ele era uma pessoa com muito bom relacionamento no município. Morreu fazendo algo que ele gostava, que era ajudar as pessoas – comentou o agricultor Admir Lorenzon, 54 anos, membro da comunidade. |
O corpo de Dalpian chegou ao Rio Grande do Sul ontem à noite e uma missa de corpo presente foi rezada no ginásio de Jacarezinho, que ficou pequeno para acolher as centenas de conhecidos, amigos e familiares. |
Ele foi sepultado no Cemitério Católico da mesma comunidade. |
ADELAR BESUTTI , 64 anos |
CLAUDIMIR SPAGNOLO , 34 anos |
CLOVIS JOSÉ FLUCK, 35 anos |
EDINEI ANGELO ROTH – De São Miguel do Oeste, o vendedor de frutas de 27 anos, quando soube do acidente com o ônibus, foi até o local para ajudar. Alguns passageiros eram amigos da vítima. Edinei Angelo Roth era solteiro e não tinha filhos. |
EVANIR DE FÁTIMA BECKER – De São José do Cedro, era funcionária da unidade da Cooperalfa do município, no setor de reposição. Tinha 32 anos e deixa o marido, Noredi Beck, e os filhos Paula, 13 anos, e Leonardo, nove anos. |
FERNANDO PEREIRA DOS SANTOS , 22 anos |
Fonte: Diário Catarinense