Às 18h49min de terça-feira, o funcionário da TAM Express em férias Márcio Max, 28 anos, liga para seu melhor amigo na empresa, conhecido como Bira. – E aí, como estão as férias? Não vai nos fazer uma visita? – brinca Bira, falando pelo celular do interior do prédio localizado às margens da Avenida Washington Luís, em São Paulo. – Pois é, vou passar aí para a gente bater um papo. E você, como é que está? – pergunta Max. Do outro lado da linha, eleva-se um ruído agudo de motor, seguido de um baque e de silêncio.
No começo da tarde de ontem, encostado na parede de uma casa vizinha ao prédio da TAM contra o qual se esfacelou o vôo 3054, no final da tarde de terça-feira, Max olhava desolado para as ruínas fumegantes de onde falava seu amigo quando a maior tragédia da aviação brasileira interrompeu a ligação.
– No instante em que caiu a linha, eu liguei de novo e ele não atendeu. Liguei para outro amigo que estava na empresa e também não atendeu. Liguei para um terceiro colega. Ele só me disse que o lugar estava pegando fogo – relembrou o funcionário, com lágrimas nos olhos.
Desde as 7h, Max fazia, ontem, uma vigília solitária diante dos escombros de concreto escurecido e das vigas de metal retorcidas. Seu amigo permanecia internado em estado grave em um hospital da cidade, mas pelo menos outros seis colegas eram dados como desaparecidos.
– Passei a noite chorando. Eu olho para isso aqui e me dá vontade de chorar mais – lamentou.
No marco zero do desastre, duas bandeiras enegrecidas e retalhadas pelo incêndio que consumiu o Airbus A320 tremulavam sobre o prédio contra o qual se chocou a aeronave e seus 186 ocupantes, muitos deles gaúchos. Enquanto policiais militares, bombeiros e integrantes da Defesa Civil enfrentavam a fumaça branca que mantinha o ar quase irrespirável nas proximidades do Aeroporto de Congonhas, as flâmulas que anteriormente representavam a TAM e o Estado de São Paulo pareciam simbolizar o luto que uniu o país em uma rota de dor e sofrimento nos últimos dois dias.
Mesmo passadas quase 24 horas do choque, cerca de uma centena de bombeiros ainda lançavam jatos de água no interior do edifício de três pavimentos para tentar reduzir a emissão de gás e de calor. Até o final da tarde, haviam sido resgatados 175 corpos, dos quais 146 já tinham sido conduzidos ao Instituto Médico Legal paulistano. Também foi confirmada a morte de três pessoas que foram resgatadas com vida na terça-feira e não resistiram aos ferimentos.
Ministério Público Federal pede a interdição da pista
Autoridades anunciaram ontem o início da segunda fase no processo de identificação das vítimas, a partir da análise de arcadas dentárias, implantes ou pinos nos corpos. O Ministério Público Federal pediu a interdição da pista de Congonhas.
O desastre e suas conseqüências concentram atenções no país e no mundo desde a terça-feira. Pressionado por duas CPIs sobre o caos aéreo no Congresso, o governo federal negou ontem que a suposta falta de condições da pista tenha sido uma das causas do acidente. O presidente da TAM, Marco Bologna, disse que a aeronave estava em perfeitas condições e que Congonhas "é um aeroporto seguro". Na contramão, os atrasos e cancelamentos de vôos se multiplicaram e ações de empresas aéreas encabeçaram as perdas do dia na Bovespa.
Ao redor da área do acidente, isolada por razões de segurança, centenas de jornalistas de todo o país e curiosos disputavam cada palmo de espaço diante do local da queda. A cauda do avião – única parte que restou da fuselagem – já fora retirada.
Quem presenciou a dor das vítimas, porém, preferia manter distância. O manobrista José Herculano, 37 anos, não se afastou da garagem onde trabalha, a cerca de cem metros do prédio da TAM. No momento em que o piloto do Airbus tentava erguer a aeronave, sem sucesso, e Max e Bira trocavam suas últimas palavras, ele se encontrava no escritório do estabelecimento. O estrondo que estremeceu as paredes o fez correr para a calçada.
Olhou para a esquerda e viu uma bola de fogo se erguer junto ao posto de gasolina onde trabalhavam dois amigos seus. Correu para lá a fim de tentar ajudá-los. Acabou socorrendo um desconhecido que se encontrava caído sob uma parede desmoronada.
– Em seguida, vi uma cena que não vou esquecer: meu amigo apareceu gritando e pulando, como se estivesse louco. Depois entendi que ele estava eufórico por estar vivo – contou.
Outro sobrevivente da tragédia saiu à rua ontem apenas para fumar um cigarro. Bruno de Abreu, 21 anos, havia saído do trabalho pouco depois das 17h de terça. Tomou um ônibus que passou pela frente do prédio da TAM poucos segundos antes de o Airbus passar rente ao asfalto.
– Ouvi aquele barulho ensurdecedor, olhei para trás e vi um cogumelo de fogo – trazendo à lembrança imagens que o Brasil jamais vai esquecer.
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