Domingo eterno
Nunca houve um domingo assim na história esportiva do Brasil. Como holofotes nos céus de Gothan City, as luzes do sucesso projetaram na gloriosa noite dominical as efígies iluminadas de Diogo Silva , o primeiro ouro do Pan, no seu incisivo esporte – o Taekwondo; Ricardinho do campeoníssimo Vôlei; Júlio Baptista e seu golaço contra o "hermanos", na conquista da Copa América. Como se não bastasse as glórias nos tatames, quadras e campos, houve medalhas e vitórias a granel: no vôlei feminino, no handebol e no futebol de garotos.
Junto com os atletas que orgulharam a consciência cívica nacional, brilharam outros dois brasileiros, que também merecem medalhas: Francisco Manoel da Silva e Osório Duque Estrada, autores de um hino "medalha de ouro". Em Katowice, Polônia; Maracaibo, Venezuela; ou no Rio, o Hino Nacional Brasileiro subiu ao pódio e emocionou atletas e torcidas.
Tinha razão o jornal inglês The Guardian, quando elegeu, na Copa de 2002, o Hino do Brasil como "o mais belo do Mundo". Sim, os ingleses não consideram A Marselhesa ou o God Save the Queen como os hinos medalhas de ouro e prata. Renderam-se ao hino "que não fala de sangue, nem de guerras, mas que desenha uma aquarela da exuberante paisagem verde do Brasil".
Diogo Silva, um negro alto e imponente, desmanchou-se em lágrimas quando a torcida cantou o hino e a bandeira nacional subiu ao topo da Arena do Riocentro.
O primeiro ouro do Pan revelou ao mundo o que o brasileiro médio já sabia: o povo brasileiro é muito, muito melhor do que as suas lideranças políticas.
Foi um domingo para derrubar tabus e complexos de inferioridade. Um domingo até para desmentir o maior psicanalista da alma brasileira, encarnado em Nelson Rodrigues. O brasileiro não parece mais "um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem". Domingo à noite, o brasileiro se parecia mais com o próprio Nelson, que certa vez confessou:
– Eu acredito no brasileiro e, pior do que isso, sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Há ocasiões em que me sinto cheio de tambores, metais e cornetas, como se eu fosse o próprio Hino Nacional.
De todas as nossas vitórias de domingo, uma rebrilha ao sol da pátria neste instante: os sonoros 3 a 0 sobre o salto sete dos "hermanos", que tropeçaram nas fitinhas da própria máscara. A Argentina entrou no salão de saia justa e salto agulha, pronta para dançar um tango de Gardel. Não esperava que um jogador "mediano", Elano, tivesse a inspiração de um Gérson, um Didi, e fizesse o lançamento de 50 metros que descobriu Júlio Batista na área. Um "corte" no zagueiro e um míssil que alvoroçou a rede. Golaço que abriu o caminho para a tarde-noite inesquecível.
– E o que vais dizer do Dunga, agora? – já começam a me perguntar.
Digo apenas que nunca descartei esse desfecho. A vitória do futebol opaco e "pegador". Mas o futebol tem razões que a própria razão desconhece: foi o time brasileiro que jogou com brilho, astúcia e talento. Não ficou só se defendendo. Atacou, e, principalmente, contra-atacou com grande eficiência. Foi o Brasil que se pareceu com a Argentina de Messi, Tevez, e Riquelme.
Dou os meus parabéns ao técnico Dunga e aos seus cabelos espetados. Mas voltarei à minha trincheira, se ele cumprir o que prometeu: Ronaldinho Gaúcho e Kaká terão que "entrar na fila" para recuperar seus lugares no time campeão…
Ora, talento não se dispensa, digo eu, na esperança de que a embriagues da vitória não "mediocrize" ainda mais um técnico cultor do futebol sem brilho.
Não agora, que os deuses das vitórias resolveram cantar o nosso belo Hino.
Fonte: Diário Catarinense Matéria: Sérgio Ramos sergio.ramos@diario.com.br |