O que falaria o Cristo Redentor, uma das 7 maravilhas do mundo
Sem se deixar levar pela soberba, depois que foi eleito uma das sete novas maravilhas do Mundo, o Cristo Redentor notou, não sem sobre-humana satisfação, que os "flashes" dos turistas espocavam em mil cintilações no alto do grande monólito rochoso.
Estava na hora de ajudar o Rio e o Brasil, pensou, com sua túnica de dobras exatas, sem botões, inconsútil em magnífica pedra-sabão.
Agora que os fiéis subiriam o Corcovado com redobrado fervor, para testemunhar aquela vista sobrenatural, o próprio Criador precisaria fazer alguma coisa, antes que os filhos de Belzebu inaugurassem uma cobrança de pedágio e deflagrassem uma nova guerra pelo controle das bocas de fumo escondidas na montanha.
Os repórteres chegaram escoltados pela guarda da "Força Nacional" e por um pedaço da Polícia local, identificado como sendo da "banda boa".
O bondinho de Santa Tereza, de onde partira a composição, trazia o corpo cravejado de balas perdidas, parecendo um animal cansado, depois de engolir o caminho ferroviário, na forma de uma hesitante cremalheira.
Flashes coriscaram diante do Cristo, enquanto os rapazes da imprensa faziam um semicírculo em torno do consagrado monumento. O Senhor fez um gesto de magnânima compreensão – e liberou os mais falantes para as primeiras perguntas.
A primeira, aliás, parecia trazer a inspiração do próprio Lúcifer:
– Como o Senhor se sente agora, que se transformou numa estrela do Mundo do Consumo?
– Não me sinto glorificado por isso. Toda a minha glória vem do Pai, que me permitiu entregar minha vida à redenção de pecadores como você…
– Mas o Senhor sabia que, depois de sua eleição, os três níveis de poder já brigam pela sua "bilheteria"?
– Continuo aqui, em meu lugar, alheio a toda essa cupidez. Não sabeis, por acaso, que o Pai não permite sequer a uma andorinha que lhe falte o pão?
– O Senhor acha que o Brasil tem jeito?
– Claro – assentiu o Nazareno, desviando a cabeça de uma bala traçante, detonada não se sabe se pela Polícia "boa" ou pela "má".
– Para quando? – insistiu o repórter.
– Calma, gente. O Brasil parece um pouco traumatizado, teve a infância reduzida, foi explorado por muitos finórios, mas já tratei de pacientes piores!
– O que o Senhor acha dessas notas fiscais do Renan Calheiros, que é o terceiro substituto do presidente?
– É da espécie humana fraudar, sofismar e enganar. O Brasil precisa recuperar a sua auto-estima, para que volte a ter um mínimo de estima pelo próximo…
– Mas quando o próximo também é corrupto, como esse suplente do Roriz, um sujeito com o nome de Gim???
– Bem, claro que nesse caso é bem mais grave. Vocês precisam reformar esse "Id" selvagem, que procura só levar vantagem em tudo e contra todos. Isso não é cristão…
– "Id"? Esse aí também é do esquema da corrupção?
– Sem dúvida. É o lado bruto e facinoroso do homem. Vocês da imprensa precisam ajudar a depurá-lo, pelo bem do país. O Pan será uma ótima oportunidade…
– O Senhor sabia que os ingressos estão todos nas mãos dos cambistas? Será que o Senhor, sendo Deus, não poderia fazer o meu garoto entrar na final do vôlei, de forma "transparente", através das paredes?
O Cristo, dito "the Redeemer" – no inglês dos turistas – entendeu que precisaria reencarnar mais umas mil vezes para redimir um país com tanta devoção e tanto amor pelo jeitinho maligno.
Fonte: Diário Catarinense Matéria: Sérgio Ramos – sergio.ramos@diario.com.br |